domingo, 3 de julho de 2011

Dificuldades Técnicas no Estudo da Condução Nervosa

Várias dificuldades técnicas podem ocorrer durante o estudo da condução nervosa. O eletroneuromiografista deve estar atento para corrigi-las sem prejudicar a acurácia dos resultados. As principais fontes de erro no estudo da condução nervosa são:

Erros de estimulação

- posicionamento incorreto do estimulador: estimulação fora do território do nervo causa aumento da latência e diminuição da amplitude dos potenciais.

- intensidade inadequada do estímulo (muito baixa ou muito alta): Para obter potenciais de ação motores compostos adequados, nós precisamos de estímulos supramáximos. Isso ocorre quando estimulamos com intensidades 20 a 30% maiores que as necessárias para obter um PAMC de amplitude máxima. Estimulação submáxima evoca potenciais de menor amplitude e menores velocidades de condução. Estimulação excessiva pode causar encurtamento da latência e conseqüente superdimensionamento das velocidades de condução. Isso ocorre devido ao deslocamento proximal do eletrodo estimulador com intensidades de estímulo muito altas. Também pode estimular simultaneamente nervos adjacentes ao estudado e provocar deflexão inicial positiva ou aumentar a amplitude e alterar a forma do potencial. Além disso, pode provocar artefatos de estímulo, principalmente no estudo de condução sensitiva.

- inversão da posição do eletrodo ativo e referencial do estimulador: causa aumento da latência e diminuição das velocidades de condução. No estudo da condução motora pode causar bloqueio anodal, onde o ânodo do estimulador bloqueia a passagem do estímulo do cátodo, causando ausência de resposta.

Erros de registro no estudo de condução motora

- posicionamento do eletrodo ativo fora do ponto motor do músculo: essa é a principal razão para a obtenção de uma deflexão inicial positiva (para baixo) no estudo de condução nervosa motora. Além disso, o potencial motor apresenta menor amplitude do que quando registrado sobre o ponto motor.

- uso de eletrodos de agulha no lugar de eletrodos de superfície: os eletrodos de superfície devem ser posicionados de acordo com o método ventre-tendão com o eletrodo ativo sobre o ponto motor e o eletrodo de referência sobre o tendão de inserção do músculo. Obedecendo a essa regra, os potenciais sempre terão deflexão inicial negativa (para cima). A amplitude do PAMC usando eletrodo de superfície dá uma estimativa do número de fibras musculares que contraem durante a estimulação do nervo. Apenas os eletrodos de superfície são confiáveis para a determinação do grau de degeneração axonal, para o registro de bloqueios de condução e respostas decrementais no estudo da estimulação repetitiva. Além disso, eles são mais seguros, pois não são invasivos e apresentam risco quase inexistente de transmissão de doenças infecciosas como hepatite, AIDS e doença de Creutzfeldt-Jacob. A maior desvantagem dos eletrodos de superfície é sua incapacidade de registrar potenciais de músculos severamente atrofiados. Já os eletrodos de registro de agulha não representam o número total de fibras musculares que contraem durante a estimulação do nervo, e sim somente as fibras mais próximas do eletrodo. Por essa razão não devem ser usados para avaliação de degeneração axonal, demonstração de bloqueios de condução ou detecção de respostas decrementais nos estudos de estimulação nervosa repetitiva. Os potenciais apresentam formas variáveis de estímulo para estímulo e nem sempre apresentam deflexão inicial negativa. Entretanto, os eletrodos de registro de agulha possuem algumas vantagens em relação aos eletrodos de superfície: menos artefatos de estímulo, maior facilidade para a medida da latência devido ao início mais acentuado do potencial e possibilidade de registro do PAMC em músculos severamente atrofiados. Entretanto, apesar dessas vantagens, os eletrodos de agulha não são recomendados para uso de rotina na maioria dos laboratórios de EMG do mundo.

Erros de registro no estudo de condução sensitiva

- posicionamento dos eletrodos de registro longe do nervo sensitivo estudado: isso provoca diminuição da amplitude dos PANS que se torna mais acentuada quanto maior a distância do eletrodo em relação ao nervo estudado. Isso é comum em nervos profundos e em pacientes obesos. Muitas vezes é necessário pressionar os eletrodos de registro com a fita métrica para que o PANS possa ser registrado.

- distância entre os eletrodos ativo e referencial: a distância recomendada entre o eletrodo de registro ativo e o eletrodo de registro referencial é de aproximadamente 3 cm. O mais importante é que cada laboratório use sempre a mesma distância utilizada para a obtenção dos valores normais. Quanto menor a distância entre os eletrodos ativo e referencial menor é a latência de pico (a latência inicial não altera), menor é a amplitude do PANS e quando a distância é menor que 3 cm ocorre um potencial bifásico.

Erros de medida

- da latência: a colocação do marcador de latência no lugar errado altera as velocidades de condução nervosas. Isso é mais freqüente nos laboratórios que utilizam o início do potencial como marcador da latência, pois muitas vezes o potencial não apresenta uma deflexão inicial positiva bem definida.

- da amplitude: potenciais registrados sobre linhas de base inclinadas são os mais susceptíveis a erro de amplitude.

- da distância: a distância deve ser medida do centro do eletrodo ativo estimulador até o centro do eletrodo ativo de registro. A medida da distância em condução nervosa geralmente é feita com uma fita métrica flexível. Erros da leitura da fita métrica são frequentes e podem causar alterações da velocidade de condução que podem ser significativas, principalmente em curtos segmentos. Outra fonte de erro de distância é fisiológica, pois muitas vezes o trajeto verdadeiro do nervo é maior que o medido na superfície. Isso causa deturpação fisiológica da medida da velocidade de condução. Assim, para minimizar erros de medida entre a superfície e o trajeto anatômico do nervo deve-se medir a distância com o membro na mesma posição usada para a obtenção dos valores de referência.

Erros de instrumentação

- uso de filtros diferentes dos usados para obter os valores de referência: Existem filtros de alta e baixa frequência. Para o estudo de condução nervosa motora nós usamos filtro de baixa frequência em 2 Hz e filtro de alta frequência em 10 KHz. Para o estudo de condução nervosa sensitiva e mista nós usamos filtro de baixa frequência em 20 Hz e filtro de alta frequência em 2 KHz. Os filtros são usados para diminuir a quantidade de interferência elétrica. Entretanto, eles acabam atenuando um pouco a passagem de sinal elétrico desejado. Quando a regulagem dos filtros é modificada, a latência, a amplitude, a duração e a forma do potencial também podem mudar. Quando a diferença entre os filtros de alta e baixa frequência é aumentada, a amplitude e a área dos potenciais também aumenta. Ao contrário, se a diferença entre os filtros diminui a amplitude também diminui. Modificações no filtro de alta frequência provocam maior efeito nos potenciais sensitivos devido à menor duração dos potenciais. Diminuindo o filtro de alta frequência causa atenuação do início do potencial com prolongamento da latência e diminuição da amplitude do potencial. Aumentando o filtro de alta frequência causa efeito inverso, ou seja, diminuição da latência e aumento da amplitude do potencial. Alterações no filtro de baixa frequência provocam maiores efeitos nos potenciais motores devido à maior duração dos potenciais. Diminuindo o filtro de baixa frequência causa aumento da amplitude sem alteração da latência. Aumentando o filtro de baixa frequência provoca diminuição da amplitude sem alteração da latência. Por isso, os filtros do equipamento devem ser idênticos aos usados para a obtenção dos valores normais.

- uso de sensibilidade diferente da utilizada para obter os valores de referência: Em nosso laboratório nós utilizamos a sensibilidade de 5 mV por divisão para o estudo motor e de 20 uV por divisão para o estudo de condução sensitiva. A lenta elevação da porção inicial do potencial motor ou sensitivo em relação à linha de base torna difícil decidir exatamente onde posicionar o marcador da latência de início. O aumento do ganho provoca aumento do tamanho dos potenciais e consequentemente as latências vão ficando mais curtas. Um princípio importante da condução nervosa é sempre utilizar a mesma sensibilidade para todos os potenciais de um mesmo nervo.

- uso de velocidade de traçado diferente da utilizada para obter os valores de referência: Em nosso laboratório nós utilizamos a velocidade de traçado de 20 ms por divisão para o estudo de condução nervosa motora e de 1 ms por divisão para o estudo de condução nervosa sensitivo. Alterações da velocidade de traçado podem alterar a medida da latência e consequentemente altera a velocidade de condução nervosa. Quanto maior a velocidade de traçado, maior será a latência e consequentemente a velocidade será menor. Assim como foi ressaltado para a sensibilidade, a velocidade de traçado deve ser a mesma para todos os potenciais de um mesmo nervo.

Erros causados por variáveis fisiológicas

- temperatura baixa: É o principal fator fisiológico que pode alterar os resultados da condução nervosa. Causa aumento artificial da latência e diminuição da velocidade de condução nervosa. A latência motora aumenta em média 0.2 ms para cada grau de diminuição da temperatura. A velocidade de condução nervosa diminui de 1 a 2 m/s para cada grau de diminuição da temperatura. Também provoca aumento da amplitude e da duração dos potenciais sensitivos e motores. Por esses motivos, a temperatura da pele deve ser controlada em todos os pacientes submetidos ao estudo da condução nervosa. Termômetros cutâneos são os mais utilizados. Embora temperaturas de pele entre 36° e 38°C sejam as mais recomendadas para o estudo da condução nervosa, a maioria dos pacientes apresenta temperaturas de extremidades bem abaixo disso e o tempo para aquecer até esses valores é muito longo. Portanto, em nosso laboratório nós utilizamos o valor de 32°C como limite inferior de temperatura aceitável. Obviamente, nossos valores normais foram calculados com esse limite de temperatura. O método mais utilizado para o aumento da temperatura é a colocação do membro frio em um balde com água aquecida a 36°C. O tempo médio de permanência na água quente é de 6 minutos para cada grau desejado de elevação da temperatura. A temperatura ambiente da sala de exame deve ser agradável, de preferência próxima de 26°C.

- impedância elevada da pele: fonte importante de artefatos de estímulo e artefatos de 60 Hz. É importante manter baixa a impedância dos eletrodos de estímulo e de registro. Também se deve deixar as impedâncias dos eletrodos ativo, referencial e terra semelhantes. Para baixar a impedância pode-se usar uma lixa de pele embebida em soro fisiológico no local da aplicação dos eletrodos.

- altura: importante no estudo das respostas tardias, pois o trajeto do estímulo vai desde a periferia até a medula espinhal e volta até a periferia. Portanto, em pacientes muito altos a latência vai ser maior que em pacientes baixos. Existem tabelas de correção dos valores normais da latência para as respostas tardias de acordo com a altura do paciente.

- peso: os pacientes obesos apresentam maior quantidade de tecido gorduroso separando os nervos da pele. Isso é particularmente problemático durante o estudo da condução nervosa sensitiva. As amplitudes dos PANS geralmente são menores em obesos devido a essa maior distância. Alguns pacientes podem ter ausência de registro de PANS devido à obesidade ou à presença de edema no local do registro dos potenciais. Essa dificuldade técnica deve ser levada em conta na hora da interpretação dos dados.

- idade: durante a infância as velocidades de condução nervosa motoras, sensitivas e mistas são menores que as da vida adulta. Antes de um ano de vida elas correspondem à metade dos valores obtidos na idade adulta. Até os 4-6 anos de idade elas sobem progressivamente para atingir os valores normais obtidos na vida adulta. Esse aumento progressivo das velocidades ocorre devido à maturação do processo de mielinização dos axônios de grande calibre estudados na condução nervosa. Além das menores velocidades de condução na infância, os potenciais sensitivos também apresentam dois picos até os 6 anos de idade. Isso ocorre devido à presença de fibras com diferentes processos de maturação. Após atingir os valores da vida adulta, a velocidade de condução nervosa vai diminuindo com a idade a partir dos 20 anos de idade. Os valores normais usados em nosso laboratório foram calculados a partir de pessoas entre 20 e 60 anos de idade. Para pacientes mais velhos nós diminuímos a velocidade normal em 1 m/s por década para o estudo motor e 2 m/s por década para o estudo sensitivo. A amplitude dos potenciais motores e sensitivos também diminui com a idade. Em uma mesma pessoa, a amplitude aos 70 anos é aproximadamente metade da amplitude obtida aos 20 anos. A crença disseminada entre vários neurologistas e neurofisiologistas de que os potenciais sensitivos estão ausentes em idosos normais não é verdadeira. Quando a técnica adequada é utilizada, os potenciais sensitivos são detectados mesmo em pacientes acima de 80 anos. Quando ausentes indicam comprometimento dos nervos periféricos, mesmo que assintomático.

Erros causados por variáveis anatômicas

- inervação anômala: algumas variações da inervação podem estar presentes em pessoas normais. As duas inervações anômalas mais frequentemente encontradas na prática eletrofisiológica são a anastomose de Martin-Gruber e a presença do nervo fibular profundo acessório. A anastomose de Martin-Gruber corresponde à saída de fibras do nervo mediano ou do nervo interósseo anterior e conexão com o nervo ulnar no antebraço. As fibras do nervo mediano que se juntam ao nervo ulnar então vão inervar alguns músculos inervados pelo ulnar na mão. Existem três tipos de anastomose de Martin-Gruber. No tipo I as fibras da anastomose terminam nos músculos hipotenares inervados pelo ulnar. Ela é a forma mais frequentemente detectada nos estudos de rotina, pois o músculo utilizado rotineiramente para registrar os potenciais motores do nervo ulnar é o abdutor do quinto dedo na região hipotenar. Ela provoca uma amplitude do PAMC do nervo ulnar muito maior no punho que no cotovelo, simulando bloqueio de condução no antebraço. Para confirmá-la basta estimular o nervo mediano no cotovelo e observar a presença de um PAMC registrado no abdutor do quinto dedo. No tipo II as fibras da anastomose terminam no músculo primeiro interósseo dorsal no dorso da mão. É a forma mais comum de anastomose de Martin-Gruber e geralmente passa despercebida no estudo de rotina, pois o nervo ulnar não é registrado de rotina no primeiro interósseo dorsal. A exemplo do tipo I, a amplitude do PAMC do nervo ulnar é muito maior com estimulação do punho que com estimulação do cotovelo, simulando bloqueio de condução no antebraço. Para confirmá-la basta estimular o nervo mediano no cotovelo e observar a presença de um PAMC registrado no primeiro interósseo dorsal. No tipo III, a estimulação do nervo mediano no punho provoca PAMC com amplitude menor que a estimulação do nervo mediano no cotovelo. A estimulação do nervo ulnar provoca um PAMC com deflexão inicial positiva no punho e no cotovelo. A anastomose de Martin-Gruber é herdada de forma autossômica dominante e ocorre em até 40% das pessoas. Pacientes com anastomose de Martin-Gruber sem síndrome do túnel do carpo apresentam maior amplitude de PAMC com estimulação do nervo mediano no cotovelo que com estimulação no punho, enquanto a amplitude do PAMC do nervo ulnar é muito maior no punho que no cotovelo, simulando um bloqueio de condução no segmento do antebraço. Isso ocorre porque existem mais fibras do nervo mediano disponíveis para estímulo no cotovelo que no punho, pois algumas fibras se desviaram para o nervo ulnar no meio do caminho. Esse desvio também proporciona maior número de fibras disponíveis para estímulo do ulnar no punho que no cotovelo. Nos pacientes com nervo fibular profundo acessório o músculo extensor curto dos dedos do pé, geralmente inervado exclusivamente pelo nervo fibular profundo, é inervado também pelo nervo fibular profundo acessório, um ramo do nervo fibular superficial que passa por trás do maléolo lateral para inervar a porção lateral do músculo extensor curto dos dedos. Também é herdada de forma autossômica dominante. Ela deve ser suspeitada quando a amplitude do PAMC do nervo fibular é menor no tornozelo que abaixo da cabeça da fíbula. Para confirmar a presença da anomalia deve-se estimular o nervo fibular profundo acessório atrás da cabeça da fíbula. Se ocorrer a presença de um potencial com amplitude semelhante à diferença entre as amplitudes obtidas na cabeça da fíbula e tornozelo o diagnóstico é confirmado.

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